quinta-feira, 3 de abril de 2014

UMA DICA VALIOSA


As campanhas eleitorais nem começaram e o debate nas redes sociais já está acalorado. Extremamente baixo e miserável, mas fervilhante. Porém, é possível identificar claramente alguns aspectos. Entre xingamentos e injúrias, conseguimos identificar superficialmente posicionamentos de esquerda, de direita (mesmo que alguns não saibam o que essa dicotomia realmente significa) e uma massa de espectadores que evitam a reflexão sempre que possível.

Boa parte dos militantes dessa direita, que hoje é oposição, está cometendo um pecado que o Lula já cometeu e deveriam ter aprendido com ele. Por duas vezes, suas tentativas fracassaram, mas quando finalmente conseguiu vencer, houve uma mudança de comportamento importante: ele virou o “Lulinha paz e amor”. Lembram?

O ex-presidente tinha um comportamento extremamente agressivo, que passava uma imagem carrancuda. Seus militantes também se comportavam dessa forma, em passeatas ferozes. É assim que tenho pelo menos na memória. Até que então tudo mudou e o barbudo que sempre gritava com o dedo em riste, dando milhares de adjetivos para seus oponentes, mudou de barbeiro, a cor da gravata, o tom da voz, o discurso, a escolha das palavras e se elegeu. Não que isso seja a fórmula do sucesso, mas contribuiu.

Hoje, boa parte dos militantes de direita faz o que o Lula fazia nas suas eleições que fracassou: gritam, xingam e esbravejam aos quatro ventos tudo o que está sendo feito de errado para eles. Não aprenderam nada com o “Lulinha paz e amor”. Cada coluna do Constantino e do Azevedo serve apenas para inflar alguns ativistas de hashtag e compartilhar ferozmente as brilhantes conclusões, como:

- Esses comunistas defendem os criminosos!
- A ditadura foi ruim, mas pior teria sido um golpe comunista!
- O negócio é fazermos justiça com as próprias mãos, mata todo mundo...
- Mas esse bolsa-família é pra pobre vagabundo que não quer trabalhar!
- Fora Corja! CorruPTos! Fora Dilma! Canalhas!

Me arrisco a dizer que isso não vai funcionar. Afasta as pessoas. Tem muita gente indignada com a corrupção realmente, mas fazer um levante contra aqueles que votaram no PT vai afrontá-los e não convencê-los a mudar de ideia nas próximas eleições. Eles já foram maioria e dizer a eles que foram burros não é uma abordagem muito amigável.

Sabemos que a história do PT não se resume ao mensalão, nem a do PSDB se resume ao trensalão. Resumir o debate a isso é miserável. Aliás, a Miriam Leitão já falou sobre isso (leia aqui). Quem entra nessa não está ajudando em nada. Inclusive eventualmente cometo esse pecado, quando volta e meia me pego xingando o Bolsonaro e vejo que a única coisa que consigo é irritar quem apoia o colega do Tiririca.

Precisamos atentar ao fato de que essa troca de ofensas só contribui para uma guerra pela conquista do poder, que é o que realmente está em jogo. O bem das pessoas, da gente, dos nossos filhos e familiares é outra coisa, que não está na pauta de quem nos governa ou quer governar. Triste mas é verdade. Por isso, desconfie de quem tem tanto interesse em tirar alguém do poder, sem propor nada. Se continuarem dizendo que a solução de tudo é tirar o PT do poder, sinto informar, mas as pessoas precisam de mais soluções do que essa, do contrário eles vão continuar lá.

sexta-feira, 14 de março de 2014

QUEM É O COITADINHO?



Me considero quase um nômade: nasci em Porto Alegre, fui para o Alegrete com 6 anos e com aos 16 cheguei em Bento Gonçalves, aonde vivo até hoje. Nesta época eu não tinha noção disso de forma tão esclarecida, mas sem dúvida foi a melhor escolha em termos de cidade para o caminho que eu estava iniciando, ao estar próximo das melhores faculdades e de um mercado de trabalho pulsante. Sou eternamente grato a minha família pela escolha.

Acontece que o ano mais complicado da minha vida foi esse, quando cheguei em Bento. A recepção foi muito estranha: aqui eu descobri que sou negro. Passei por diversas situações como por exemplo, ser chamado de preto sujo (inclusive por gente que convivo até hoje). Em uma situação ímpar, um senhor me dava o seu ponto de vista: “Não é porque tu tem essa pele mais escurinha, mas maldita a hora que a Princesa Isabel resolveu abolir a escravatura né?”.
Em casos mais recorrentes a conversa era assim:
- De onde tu é?
- Eu moro aqui em Bento.
- Mas tu não é daqui né?
- Não, sou de Marte. (mentira, eu dizia que era de Alegrete, mas depois de um tempo eu comecei a pensar em responder isso).
É muito estranho tu ser abordado pelas pessoas dizendo que o teu biotipo determina que tu não se enquadra na comunidade deles. Não fui preparado para me apresentar com selo de procedência. Fere valores de quem foi criado no meio de gente de todas raças e classes.
- Mas de que origem é a tua família?
- Olha é uma mistura grande, tem português, espanhol pelo lado da minha avó, deve ter um índio no meio...
- Hum, então tu é pelo duro lá da fronteira?
- Olha, nascer eu nasci em Porto Alegre, mas cresci em Alegrete...
- Hummmmm, tem mistura com bugres.
Não sei o que queriam dizer com isso, mas a sensação que sempre dava, era de que eu era um intruso. Não era legal. Mas hoje me enche de orgulho saber que faço parte de um país miscigenado. Como dizia num livro que tive acesso: “as famílias de um bairro de Bento eram predominantemente da raça brasileira”. Nem sabia que ser brasileiro era raça, mas se for, sou dela.

Esse é um lado da história. Mas de lá pra cá fiz muita coisa boa em Bento, aprendi muito, criei amizades maravilhosas. Me tornei o profissional de comunicação e marketing que me orgulho, graças ao que aprendi aqui. Além disso, fui muito bem recebido por famílias de origem italiana, tive namoradas e inclusive tenho um filho com uma gringona linda. (detalhe: que mistura linda ficou o nosso filho). Tenho tantas histórias alegres, quanto tristes.

Sofri racismo e fui amado. Continuarei sofrendo racismo? Ninguém pode garantir, mas tenho certeza que continuarei sendo bem tratado por essa cidade que me acolheu e deu muito para a minha família. Tive colegas e amigos no meu primeiro ano aqui, aonde muitas vezes eu tive a sensação que estavam cuidando de mim. Se certificando que as outras manifestações não chegassem perto de mim. Todos sabíamos que elas existiam.

Hoje, em 2014, costumo dizer para as pessoas que vêm de outras cidades: agora é mais fácil, tu vai te adaptar. É um fato. Esse tipo de racismo, hoje velado, já foi escancarado. Quem me julgava pela pele mais escura, hoje sabe que tem que ficar calado, do contrário vai dar zebra. E dá mesmo. Mudou o que ele pensa? Não sei, mas proibir de dizer essas coisas ajuda bastante. Pelo menos não me incomoda e não alimenta a burrice coletiva.

Falar do racismo em Bento não é coisa do passado ou de minorias insignificantes. Acho que é uma sujeira que precisa ser eliminada e não escondida em baixo do tapete. É botar as cartas na mesa e deixarmos claro que quem pensa assim, deve ficar calado. Não, não pode xingar ou diminuir ninguém pela sua cor e ponto final. Sacou?
- Mas então não pode nem chamar um alemão de alemão?
- Se ele não gosta, não pode.
- Mas tu te importa que eu te chame de negão?
- Se tu estiver querendo ser carinhoso comigo, eu vou entender. Se tu quiser me ofender eu vou entender também.
Ninguém trouxe o assunto a tona para prejudicar a cidade. Quem tem interesse nisso? Aconteceu e talvez hoje estejamos pagando pelos erros do passado, que devemos erradicar, com educação e diálogo. Me incluo nisso, pois acho que é um problema que a solução também passa por mim, afinal sou daqui (posso dizer isso?).

Não escrevi esse texto para me fazer de coitadinho, muito pelo contrário, amo minha vida em Bento, sou feliz aqui e acho que o juiz de futebol não se fez de coitadinho. Como diria o Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Me vi lembrando de muita coisa, com toda a discussão por causa do caso, precisava compartilhar.

- Putz, mas essa história de defender negros, direitos humanos... querem é se fazer de coitados para ganhar cotas disso, bolsa daquilo...
- Oi?
Esse último suposto diálogo nunca aconteceu comigo. Acho que nunca aconteceria e se acontecer a culpa não é de Bento, com certeza não. Mas se um dia rolar, escrevo outro texto para contar.